Médicos veterinários são acusados de tentar se sustentar financeiramente com sua própria profissão!
Veterinario

Médicos veterinários são acusados de tentar se sustentar financeiramente com sua própria profissão!

A ironia de uma acusação feita por uma reportagem sensacionalista. Leia nossa crítica na íntegra e não se deixe abalar.

No último dia 17/10 os veterinários acordaram com mais um bomba em meio ao caos da Pandemia. Uma reportagem do Jornal Correio com o título: Paga ou morre? O que está por trás dos altos custos dos serviços veterinários foi publicada e causou uma grande revolta em grande parte dos profissionais da área. 

Eu, autora deste artigo analisando essa reportagem sensacionalista, não sou veterinária, mas tutora de 5 animais (atualmente) e psicóloga. Além disso, sou co-fundadora de uma agência de marketing especializada em Veterinários. 

E esse é o lugar de onde falo, para contextualizar você que está lendo este texto e me conhecendo agora.

Vamos analisar inicialmente a reportagem em questão: gatilhos usados, modelos mentais de persuasão e outras características do texto que nos fazem crer que não foi escrito de forma inocente e sim com um objetivo a ser alcançado.

Começamos pelo título que faz uso de chamada sensacionalista de duplo sentido para atrair a atenção dos dois lados em questão: os tutores e os veterinários. Ele também faz isso durante o texto, primeiro de forma a “culpar” os médicos veterinários e depois explicar o que mais tem envolvido em questão.

A parte do título que diz: “paga ou morre” vem para atrair os tutores que concordam com essa afirmação e em seguida ele escreve “o que está por trás dos altos custos dos serviços veterinários”, com essa parte ele se coloca em cima do muro: “Talvez tenha algo aí por trás”, então atrai os veterinários para lerem a reportagem também e ainda causa curiosidade em ambos os lados (esse é um gatilho mental muito usado para manipulação).

Só analisando o título vemos o quanto ele foi produzido de forma pensada né? Mas vamos continuar.

Ele começa o texto contando histórias de pessoas que se sentiram lesadas em atendimentos. Mas não só conta as histórias, ele atribui sentimentos e emoções fortes quando fala de fobia e se sonhos interrompidos (como no caso de estudar fora). Esse tipo de padrão de envolvimento é sempre o segundo passo de uma estratégia de manipulação: Primeiro atrai a atenção, depois conquista pela emoção. 

O principal ponto a ser levantado nessas histórias é a falta de informações mais profundas. Ele analisa as histórias apenas do ponto de vista do tutor que sabemos que conta a história de forma incompleta (por vontade ou por falta de conhecimento). Em toda minha experiência com os veterinários, cansei de ver tutores que se recusaram a realizar o tratamento e que depois do animal estar muito mal acusavam os médicos veterinários de negligência ou de falta de conhecimento. Por isso, sei que uma história não pode ser contada apenas por um lado (e todo jornalista também sabe disso, mas às vezes fingem não saber).

Segundo ponto muito relevante é observar a falta de imparcialidade do repórter, pois julga a todo momento baseado apenas no que ele pensa, por exemplo quando ele diz: “De fato, quando se trata de veterinário, pagar caro – na maioria das vezes – é a única opção”. 

Onde encontro essa pesquisa dizendo que o atendimento veterinário é caro? Além disso, o conceito “caro” é super subjetivo, como ele analisou? Enfim, percebemos que ele usa de opinião pessoal, e não de pesquisa, para embasar a sua reportagem.

Outro momento onde ele se utiliza de opinião e não mostra nenhum conhecimento sobre as pesquisas da área é quando diz: 

“O que não se pode negar é que os tutores vivem com medo de levar seus animais ao médico. E isso fica claro em uma pesquisa que faz parte da dissertação de mestrado recém-concluída na Unifacs pelo administrador de empresas Alan Sena, 40 anos.

Em seu trabalho, Alan mostra em um ranking o que os tutores de Salvador mais procuram nas clínicas veterinárias e pet shops. Diferente do que se pode imaginar, em vez de qualidade ou atendimento, antes de tudo eles buscam preço. Alan, que é dono de uma clínica e pet shop, diz que não pode apresentar os números da pesquisa porque sua dissertação ainda não foi publicada. “Mas eu tomei um susto quando vi que as pessoas buscam mais os melhores preços do que a qualidade”. “

Nesse parágrafo ele fala de uma pesquisa feita por um mestrando em administração para tentar embasar cientificamente a opinião do repórter, porém nós da Agencia Pet já pesquisamos sobre as mesmas características e os dados do IBGE, do Instituto Pet Brasil e das pesquisas divulgadas pelo CFMV dizem o oposto do que a dissertação quer nos fazer acreditar.

Na pesquisa realizada pela revista CFMV n 72 o resultado foi bem diferente. Mostra que os tutores se importam muito mais com o conhecimento técnico do veterinário, a forma de atendimento e a abertura do vet em ouvir e levar em consideração o tutor, do que se importam com os preços. (Link da pesquisa no final deste artigo)

Um dos únicos pontos positivos do texto é quando coloca uma declaração do CRMV (a reportagem não diz de qual região, mas possivelmente da Bahia), onde o Conselho diz que esses custos são reflexo principalmente da carga tributária que impede a redução desse tipo de serviço. 

Mas logo depois diz que os tutores discordam. (morde e assopra que diz né?)

Agora vamos falar sobre o lado do médico veterinário, algo que faltou em muito nessa reportagem.

Os médicos veterinários, assim como os médicos de humanos, são extremamente regrados pelo código de ética e conselhos da profissão, além disso, outro ponto em comum é a forte pressão psicológica que sofrem por serem responsáveis diariamente por várias vidas.

Mas o que diferencia essas duas profissões (médicos veterinários e médicos da espécie humana) é exatamente quais são os seus clientes e pacientes.

No caso dos médicos de humanos, apesar de sabermos que se nós ou um membro da nossa família ficar doente gastaríamos muito dinheiro, não colocando a culpa no médico, mas sim no país. Pensamos: “O hospital público deveria ser melhor”, “O plano de saúde deveria ser mais barato”… 

E nunca ouvimos pessoas reclamarem algo como: Gastei 10 mil para curar o cancer do meu avô e agora não posso estudar fora, já ouviu alguém falar assim? Mas esse tipo de gasto com saúde humana é muito comum só que ninguém compara o preço da saúde com um objeto ou uma viagem.

Por que quando o paciente é um animal agimos diferente?

A resposta é óbvia: Quem faz esse tipo de reclamação ainda não considera o pet como um membro da família, mesmo que diga o contrário, pois se realmente considerasse, não iria fazer esse tipo de questionamento. A vida do seu pet vale o mesmo que uma viagem? e a do seu irmão, vale?

No ano de 2018, fizemos uma pesquisa aqui na Agência Pet com mais de 100 veterinários ao redor do Brasil para entender por que a síndrome de Burnout é tão comum nessa profissão, assim como a taxas de depressão e suicídio são alarmantes. descobrimos que um dos pontos é essa falta de entendimento da população com relação à profissão e por isso, nós trabalhamos todo dia para ajudar a melhorar a comunicação entre os tutores e vets e melhorar o relacionamento e o ambiente de trabalho para os mesmo. (Link da pesquisa no final deste artigo)

Acreditamos que é função de todos proteger e melhorar a qualidade de vida das pessoas e dos animais e por isso, não podemos deixar passar em branco um texto sensacionalista como este que analisamos.

“Quem se cala diante de uma injustiça, apoia os agressores”

Agora um ponto importante que descobri depois de ler a reportagem. Horas depois da publicação deste texto sensacionalista, o mesmo jornal publicou outra reportagem falando sobre o prefeito ACM Neto que quer construir um hospital público em Salvador e precisa do apoio da população para isso… Coincidência? Certamente que não!

Ele precisa do apoio popular e que a população ficasse com raiva (por que este sentimento move) para que recebe o apoio (verba) necessário para a construção do hospital público. O que devemos esperar de um jornal que faz esse tipo de promoção da inverdade em prol de um político? Isso mesmo! Não é um jornal e sim uma coluna de fofoca.

E antes de terminar esse artigo, quero falar que não somos contra a construção do hospital público, esse tipo de lugar seria extremamente benéfico para os tutores e também para os veterinários. Já que poderiam encaminhar para lá aqueles clientes que não podem pagar pelo tratamento em clínica particular, assim como os médicos de humanos têm a opção de fazer.

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Sobre a autora: Natália Vasquez, tutora de 5 animais, psicóloga e co-fundadora da Agência Pet, especializada em Marketing para negócios pet.

Links das pesquisas citadas no texto:

Pesquisa da revista do CFMV sobre a relação medico veterinário e tutores – https://www.cfmv.gov.br/revista-cfmv-edicao-72-2017/comunicacao/revista-cfmv/2018/11/09/

Pesquisa da Agência Pet sobre a síndrome de burnout e a elevada taxa de depressão e suicídio entre os veterinários: O que está adoecendo nossos veterinários.